Famílias acolhedoras: ainda desconhecido, serviço pode salvar vidas

Famílias acolhedoras são aquelas que recebem crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade que por algum motivo precisam ser afastados temporariamente da família de origem. O serviço, que existe em diversos países, está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e deveria ser o destino prioritário dessas meninas e meninos no Brasil. No entanto, ainda é desconhecido e acolhe apenas 6,2% das crianças e adolescentes com medidas protetivas no país.

Celebrado neste 31 de maio, o Dia Mundial do Acolhimento Familiar é, de acordo com a conselheira Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma oportunidade para conscientizar a população sobre o assunto.

“[O acolhimento familiar] salva vidas”, diz. “Não é uma adoção, então não implica assumir todos os poderes e deveres familiares, mas traz uma dose de comprometimento com a infância, com a vida dessa criança que pode fazer com que ela se torne um adulto saudável. Essa é a ideia”, explica Renata Gil, uma das responsáveis pela política da infância e juventude no país.

Dados da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) de 2025 mostram que há, no Brasil, 34.427 crianças e adolescentes acolhidos. A maior parte deles, 32.302, o equivalente a 93,8%, está em acolhimento institucional, em albergues ou abrigos, por exemplo. Apenas 2.124, o equivalente a 6,2%, estão em acolhimento familiar.

A meta estabelecida pelo CNJ, por juízes e grupos da infância, é que até 2027, 25% das crianças e adolescentes acolhidos no país estejam em famílias acolhedoras.

Apesar de distante da meta, o serviço cresceu ao longo dos últimos anos. De acordo com dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2013, apenas 23 novas famílias se cadastraram no serviço. Em 2024, esse número saltou para 1.098 novas famílias cadastradas. Ao todo, atualmente, são 3.649 famílias com cadastro ativo em 153 programas de acolhimento familiar em todo o país.

Acolhimento não é adoção

O acolhimento ocorre quando crianças e adolescentes de até 18 anos incompletos, por algum motivo, são afastados da família de origem. Entre os motivos, estão situações de violência, entrega voluntária, ausência de rede familiar de apoio. Podem ser acolhidos, por exemplo, via Conselho Tutelar ou via Judiciário.

O acolhimento familiar é um serviço previsto no Sistema Único de Assistência Social (Suas). Por meio dele, em vez de serem encaminhados a uma instituição, as crianças e os adolescentes são recebidos em famílias acolhedoras, de forma temporária, por até 18 meses. O prazo pode ser estendido em casos excepcionais.

As famílias acolhedoras são todas devidamente cadastradas nos programas de estados e municípios e recebem formação e acompanhamento. São aceitas todas as configurações familiares, incluindo adultos solteiros, desde que as pessoas sejam maiores de 18 anos e não tenham a intenção de adotar nem estejam no cadastro de adoção.

Além disso, devem ter disponibilidade afetiva, emocional e de tempo; ter habilidade e condições de saúde para cuidar de uma criança ou adolescente; e não ter antecedentes criminais.

Após o período de acolhimento, a intenção é que a criança ou o adolescente seja reintegrado à família de origem ou, em último caso, seja encaminhado para adoção. No caso de adoção, as famílias acolhedoras não têm nenhum tipo de prioridade.


Rio de Janeiro (RJ) 30/05/2025 - Famílias acolhedoras. Flávia Medeiros. Foto: Flávia Medeiros/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ) 30/05/2025 - Famílias acolhedoras. Flávia Medeiros. Foto: Flávia Medeiros/Arquivo Pessoal

Flávia Medeiros coordena o programa de famílias acolhedoras no município do Rio – Foto: Flávia Medeiros/Arquivo pessoal

Serviço pioneiro

Na cidade do Rio de Janeiro, o serviço existe desde 1996. De acordo com a coordenadora do Serviço Família Acolhedora no município, Flávia Medeiros, a cidade é uma das precursoras nacionais. No Rio, a meta nacional já foi cumprida. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), 25% das crianças e adolescentes estão em famílias acolhedoras.

“A preferência pelo acolhimento familiar acontece justamente por conta da possibilidade de cuidado individualizado. Essa é uma das vantagens. Ao invés de estar num ambiente coletivo, essa criança ou esse adolescente vai estar em uma casa, o que, por exemplo, diminui o estigma na escola. Ao invés de ele dizer que mora num abrigo, ele fala que mora numa casa. Tem um trabalho da escola, ele tem uma casa para levar os amigos”, destaca Flávia.

A trabalhadora autônoma Andreia Amaral (à direita na foto principal), de 53 anos, conhece de perto o serviço. Ela integra o cadastro desde 2006 e já acolheu 122 crianças e adolescentes no Rio de Janeiro. Andreia conheceu a iniciativa por meio de uma reportagem e, como tinha muita experiência com crianças, trabalhando em escolas e creches, se interessou.

“O que eu posso dizer é que é uma coisa muito prazerosa de se fazer. Muito mesmo. E eu não me vejo sem fazer isso”, diz. Ela inspirou também familiares a aderirem o serviço. A mãe, já falecida, também era acolhedora, assim como a irmã, a sobrinha e algumas amigas.

Segundo Andreia, acolher crianças e adolescentes é mais do que apenas cuidar, é também criar vínculos. Alguns são mantidos até hoje. Mas ela diz que tem muito claro o papel de família acolhedora e que encara o serviço com uma ajuda tanto para as crianças quanto para as famílias.

“É como se a gente tivesse dando uma ajuda para aquela pessoa se encontrar de novo. Quando levo as crianças para visitas [à família de origem], me coloco um pouco no lugar daquela pessoa. Se fosse comigo, eu também ia gostar de uma ajuda dessa. Não para que tirasse meu filho, mas para que me desse uma força para que eu pudesse ter meu filho de volta.”

A jovem Maravilha Sebastião (à esquerda na foto principal) é uma das 122 que foram acolhidas por Andreia. Hoje, com 19 anos, ela estuda engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela migrou para o Brasil com 16 anos, vinda de Luanda, Angola. Chegou sozinha, sem recursos, e, se não fosse o serviço, não conseguiria se manter no Rio.

Fã de programas de TV e de música brasileira, Maravilha viajou para o Brasil em busca de um sonho, de ter melhores oportunidades e de poder estudar. Ela enfrentou problemas para legalizar o visto, sobretudo por não ter 18 anos e por ter chegado desacompanhada. Foi com Andreia que ganhou uma casa.

“Eu chamo de minha tia Andreia. É uma relação baseada no respeito. Eu a vejo como tia e ela me vê como sobrinha”, conta. “O programa é muito importante para um adolescente ou para uma criança, quando não pode ficar com a família de origem. A gente conhece o abrigo. O abrigo não é um mar de rosas. A família acolhedora se torna um ponto de segurança, de referência”, destaca a jovem.


Rio de Janeiro (RJ) 30/05/2025 - Famílias acolhedoras. Alessandra Queiroz. Foto: Alessandra Queiroz/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ) 30/05/2025 - Famílias acolhedoras. Alessandra Queiroz. Foto: Alessandra Queiroz/Arquivo Pessoal

Alessandra Queiroz participa do programa de famílias acolhedoras desde 2021 – Foto: Alessandra Queiroz/Arquivo pessoal

Projeto familiar

Um dos critérios para se tornar família acolhedora é que todos aqueles que vivem na mesma residência devem concordar com a candidatura. A advogada Alessandra Queiroz, de 50 anos, interessou-se pelo programa e logo envolveu também o marido e o filho. Eles participam do serviço desde 2021. É possível definir as preferências no cadastro, e Alessandra colocou-se à disposição para receber crianças com idades semelhantes à do filho, na época com 6 anos.

A experiência têm sido positiva tanto para ela quanto para o marido e o filho. “Além de dar esse afeto todo e trazer para nós uma experiência rica de valores diferentes, hoje eu olho para ele – eu sou suspeita para falar [porque] sou mãe – e vejo uma criança calma, uma criança maravilhosa. Eu percebo que ele se tornou mais generoso ainda, mais amoroso, preocupado, companheiro”, diz.

Após acolherem uma criança de 10 anos, hoje estão com uma bebê de menos de 1 ano. “Ontem eu estava vendo ela aqui com o irmão, risonha, gordinha. A gente cria vínculo, a gente se apega, mas ao mesmo tempo se desapega. Se amanhã ela tiver que voltar para mãe, vai voltar, eu acompanho. Porque o principal personagem é a criança”, acrescenta.

Cadastro

As pessoas interessadas em se tornar famílias acolhedoras devem procurar, no próprio município, informações sobre como se cadastrar. No Rio de Janeiro, é possível fazer o pré-cadastro pela internet ou presencialmente, em uma das coordenadorias de Assistência Social (CAS) da cidade.

A secretária municipal de Assistência Social do Rio, Martha Rocha, ressalta que as inscrições para se tornar uma família acolhedora estão abertas. “É muito importante que a gente aumente o banco de cadastrados, para dar mais opções de acolhimento a crianças e adolescentes desamparados. O cadastro é simples, e qualquer configuração de família é aceita, inclusive adultos solteiros. As famílias são livres para indicar sua disponibilidade ao acolhimento e podem prestar o serviço enquanto tiverem condições e interesse.”

De acordo com Renata Gil, para que seja mais conhecido e tenha mais adesões, o cadastro das famílias acolhedoras passará a ser nacional. Ainda este semestre, o cadastro passará a integrar o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), plataforma criada pelo CNJ que reúne e monitora os processos de adoção de crianças e adolescentes no Brasil.

 “A nossa ideia é que as pessoas possam, dentro do Sistema Nacional de Adoção, também solicitar, em um ícone separado, o acolhimento familiar”, diz.

Para a conselheira, a infância e a adolescência devem ser tratadas com prioridade no país. “As crianças e adolescentes abandonadas agora serão as crianças que afetivamente serão adultos com problemas. Então, uma sociedade que preza primeiro pela dignidade do ser humano tem que ter atenção para suas crianças, e que preza por um futuro promissor também precisa investir na primeira infância”, defende.

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